segunda-feira, 8 de março de 2010

Maus vizinhos (de Alma Welt)

Ontem esteve aqui o estancieiro
Que há muito cobiça o meu vinhedo,
Desde que o avô meu, o vinhateiro,
O despachara apontando com o dedo.

Mas, à parte os tais ressentimentos,
Botou-me olho grande, o velho touro,
Para si mesmo, talvez, por uns momentos,
Mas logo para o filho, seu tesouro.

E disse: “Prenda loura, serás nossa,
Como o teu ruivo vinho, eu te prometo.
Prepara o teu vestido e o teu soneto

De bodas, que será o teu derradeiro,
Nem que eu tenha que queimar a tua roça,
E transformar tua Vinha num braseiro...”

12/07/1995


Nota
Acabo de descobrir estre soneto, antigo, da Alma, e me lembro bem deste episódio. Minha irmã viveu momentos de angústia e preocupação por nossa propriedade e sua própria integridade física. E com razão, pois descobri um soneto relacionado que conta um episódio acontecido depois da ameaça desse velho tirano, e que diz respeito justamente ao seu filho, num confronto com a Alma que defendia um velho umbu que ele quis cortar, e que ficava na divisa com as nossas terras :

Estória do umbu-rei (de Alma Welt)
(222)

Por amor a esta paisagem grandiosa
Mais de uma vez empunhei a carabina,
Mas foi um erro o que me fez ficar famosa
E salvar o umbu desta campina.

Foi quando um vizinho me peitou
Dizendo que estava em sua terra
O umbu onde Martinho se enforcou,
Que a árvore era sinistra e que aberra.

Então, melodramática, me amarrei
Ao tronco, disposta a ali morrer,
Com o risco de outra coisa acontecer

Pois fez com que o "gáltcho" gargalhasse
E rasgando meu vestido me mirasse
Dizendo: "Esse umbu agora é rei..."

29/12/2001

Nota
Este episódio, absolutamente verdadeiro, foi bastante mitificado aqui na região e fez a árvore mudar a sua fama. Percebi que a Alma, sob o aparente constrangimento por uma vitória vergonhosa, regosijou-se com o resultado e no fundo admirou a presença de espírito e rude galanteria implícita no gesto do estancieiro vizinho, o "gáltcho" que a desnudou deixando-a amarrada por uns minutos, depois soltando-a e partindo no seu cavalo depois de tocar o seu chapéu com dois dedos. Me recordo ter percebido um período de meditação, suspiros profundos e um ar mais sonhador que de costume em minha irmã, por um tempo depois deste episódio. (Lucia Welt)

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