segunda-feira, 29 de março de 2010

Meu Negrinho (de Alma Welt)

Quando guria no bosque me perdi,
Estava a colher flores e amoras,
E ouvir ao longe a voz da Mutti
Chamando pra o almoço foram horas

De angústia pelo medo do carão,
Pois esse era talvez o nosso vínculo,
O da mágoa, receio e incompreensão,
Que mais me fazia andar em círculo.

Mas então chamei o meu Negrinho
Que pastoreava sempre ao léu
E assim nem precisava estar no céu.

E juro, meu leitor que então sorriste
Deste soneto pueril ou comezinho:
Ele veio... e era belo, negro e triste.

(sem data)

domingo, 28 de março de 2010

O último fandango (de Alma Welt)

Não me verás jamais dizer assim
Que tudo vai ficar bem ou melhor,
Pois todos caminhamos pro pior
Que é a queda, a morte e o fim.

Mas vivamos e dancemos loucamente
Enquanto não bata a meia-noite
E a aldrava repouse no batente
E o fluir do rio não se afoite.

Amemos e brindemos, companheiro!
Coroemo-nos com folhas do mate
Como os antigos na festas de celeiro...

E se há um deus do Pampa a nos olhar,
Façamos de uma chula o bom combate
Ao longo de uma lança, sem relar...

31/12/2006

segunda-feira, 15 de março de 2010

Crônicas “gáltchas” (de Alma Welt)

Ali jaz um que apartou-se da boiada,
E que se foi de modo deplorável,
Pois ainda não havia feito nada
E seu plano era simples e amável:

Ser o gaucho que se espera e nada mais,
Casar-se com a prenda e ter um filho,
Ter a sua querência e plantar milho,
E não ter que dizer sim ao capataz.

Mas ao campo deu aquela campa,
Nenhum rastro mais de sua raça.
A terra? Bebe sangue e acha graça...

Que por um segundo só, de rebeldia,
Coisa pouca, mormente nesta Pampa,
Foi de peleia o seu derradeiro dia.

07/04/1990

segunda-feira, 8 de março de 2010

Maus vizinhos (de Alma Welt)

Ontem esteve aqui o estancieiro
Que há muito cobiça o meu vinhedo,
Desde que o avô meu, o vinhateiro,
O despachara apontando com o dedo.

Mas, à parte os tais ressentimentos,
Botou-me olho grande, o velho touro,
Para si mesmo, talvez, por uns momentos,
Mas logo para o filho, seu tesouro.

E disse: “Prenda loura, serás nossa,
Como o teu ruivo vinho, eu te prometo.
Prepara o teu vestido e o teu soneto

De bodas, que será o teu derradeiro,
Nem que eu tenha que queimar a tua roça,
E transformar tua Vinha num braseiro...”

12/07/1995


Nota
Acabo de descobrir estre soneto, antigo, da Alma, e me lembro bem deste episódio. Minha irmã viveu momentos de angústia e preocupação por nossa propriedade e sua própria integridade física. E com razão, pois descobri um soneto relacionado que conta um episódio acontecido depois da ameaça desse velho tirano, e que diz respeito justamente ao seu filho, num confronto com a Alma que defendia um velho umbu que ele quis cortar, e que ficava na divisa com as nossas terras :

Estória do umbu-rei (de Alma Welt)
(222)

Por amor a esta paisagem grandiosa
Mais de uma vez empunhei a carabina,
Mas foi um erro o que me fez ficar famosa
E salvar o umbu desta campina.

Foi quando um vizinho me peitou
Dizendo que estava em sua terra
O umbu onde Martinho se enforcou,
Que a árvore era sinistra e que aberra.

Então, melodramática, me amarrei
Ao tronco, disposta a ali morrer,
Com o risco de outra coisa acontecer

Pois fez com que o "gáltcho" gargalhasse
E rasgando meu vestido me mirasse
Dizendo: "Esse umbu agora é rei..."

29/12/2001

Nota
Este episódio, absolutamente verdadeiro, foi bastante mitificado aqui na região e fez a árvore mudar a sua fama. Percebi que a Alma, sob o aparente constrangimento por uma vitória vergonhosa, regosijou-se com o resultado e no fundo admirou a presença de espírito e rude galanteria implícita no gesto do estancieiro vizinho, o "gáltcho" que a desnudou deixando-a amarrada por uns minutos, depois soltando-a e partindo no seu cavalo depois de tocar o seu chapéu com dois dedos. Me recordo ter percebido um período de meditação, suspiros profundos e um ar mais sonhador que de costume em minha irmã, por um tempo depois deste episódio. (Lucia Welt)