segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Inconfidências do meu jardim (de Alma Welt)

Cada flor é um poema, sim, latente,
Com seus disfarces e segredos.
Muito cedo tornei-me confidente
Do meu velho jardim de enganos ledos.

Ele viu as decantadas maravilhas,
E as rosas, mais velhas, indiscretas
Contam casos amorosos farroupilhas
Das donzelas e das paixões secretas

Que nutriam por heróis esfarrapados
Que morreram com os nomes seus nos lábios,
Ou de jovens marinheiros importados

Que nos seus lanchões, anfíbias naus,
As tinham como doces astrolábios
Navegando em esperanças rumo ao caos...

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

A Fala do Trono (de Alma Welt)

O peão aproximou-se da varanda
E tocou o chapéu na aba chata,
Mal saudando como o respeito manda,
Meu pai, que desaforo não acata.

Disse:"Buenas, patrão, venho de longe,
Só não tiro o chapéu, que estou suado,
Que não tenho a tonsura de um monge
E meu cabelo está meio emplastado."

O meu pai achou graça e interrompeu:
"Quê diabo de peão raro, vaidoso!
Preciso, sim de um prosador verboso

Que conte histórias em fogo de chaleira
Para quem cavalgou mais do que eu,
Que agora rejo aqui desta cadeira..."
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06/10/2017
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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Meu jardim sem muro (de Alma Welt)

Meus avós escolheram esta estância
Por estar pouco além do fim do mundo
E também se situar depois da ânsia,
Que alguma alma tem, de ir mais fundo.

Mas foi em vão: juntei-me com o vento
Malgrado a ameaça galhofeira
De "evitar más companhias, ou convento",
Que meus avós fizeram, de primeira.

Saí a correr e a girar, braços abertos,
Pois se erguiam meus sentidos, já despertos,
Assim que mal pisei no chão florido...

E meu olhar ia e voltava do horizonte
Como quem só foi buscar água na fonte:
Já não havia meu muro proibido... *

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29/09/2017


Nota
* Já não havia meu muro proibido - Alma está fazendo alusão a um episódio de sua infância, ainda em Novo Hamburgo, que ela narrou em um conto encantador intitulado "Nosso muro proibido", e que se encontra no seu blog A prosa de Alma Welt.

domingo, 24 de setembro de 2017

Versos gaudérios (de Alma Welt)

"A boa poesia é um farol na escuridão
E não um simples jogo de versinhos."
Assim dizia o meu pai abrindo vinhos
Nas nossas festas de casa e de galpão.

Ele gostava de declamar sonetos,
O que aos gaúchos causava estranheza
Pois preferiam os versos de proeza,
De bomba e cuia, churrasco nos espetos...

Também os versos gaudérios de peleia
De gaúchos de pala e montaria
Que o nosso imaginário ainda permeia.

E eu, suspensa entre um e outro sonho,
Percebi que a nenhum eu trairia
Se ouvisse o coração quando componho...

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24/09/2017

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

O Guará (de Alma Welt)

Na natureza estar em plenitude,
Pra mim já não comporta crueldade
E proibi a caça enquanto pude
Por milhas em torno desta herdade.

Mas então nos visitou um guará (lobo),
Que de uma ovelha fez a sua presa,
E acusavam-no os peões logo de roubo,
Pasmem, cobrando moral da natureza.

Então melodramática e até por rima,
Aos gáltchos com suas facas e garrucha
Eu disse: "Do meu corpo só por cima!"

E a gargalhada dos peões fechou o ato.
Cai o pano, mas não como fria ducha:
Todos riam e o guará ganhou o mato.
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18/09/2017

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

A torre na planície (de Alma Welt)

         A torre na planície - óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 2014

A torre na planície (de Alma Welt)

Sonhei com uma torre na planície
E meu cãozinho corria para ela.
Era rara, distante, altiva e bela
Emergindo da alma à superfície.

Percebi que era um farol desses de milha
Para orientar gáltchos perdidos
Que navegam seus pintados na coxilha
E não torre de capela pra pedidos...

Por aqui os navegantes são peões
Ao sabor do vento frio minuano
E por isso veio aqui dom Garibaldi *

Que atravessou o plaino com lanchões *
Em carros de bois no mano a mano,
Esforço hercúleo, heroico mas debalde.

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03/02/2017

Nota
* E por isso veio aqui dom Garibaldi
*Que atravessou o plaino com lanchões - célebre episódio épico da Revolução Farroupilha (Guerra dos Farrapos), quando Giuseppe Garibaldi transportou enormes lanchões em carros de bois puxados por doze juntas de bois cada, através de muitas milhas pela coxilha para colocá-los a navegar na Lagoa dos Patos para enfrentar em batalha naval os navios imperiais.