quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Lembrança da avó Frida ( de Alma Welt)

De repente eis-me de volta àquele dia
Em que olhei de longe o casarão
E depois me aproximei por esta via,
Passei pela porteira até o portão

E subindo os degraus desta varanda
Penetrei pela porta principal
No salão onde o Tempo já não manda
E um disco marca um ritmo ancestral,

Então caí nos braços da avó Frida
Que eu nem sequer ainda conhecera
Mas que poria poções em minha vida,

Ela, feiticeira de outros tempos
Que me ensinou a fazer velas de cera
Contra o mau-olhado e contratempos...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

No Túmulo do Vati (Alma Welt)



No Túmulo do Vati* (Alma Welt)

O receio de morrer longe do Pampa
Me fez retornar da Paulicéia
Para escolher a minha campa
Onde há de findar minha odisséia

Bem no alto da colina dos avós
Onde estão os velhos vinhateiros,
Joachim, o boche e Frida, pioneiros
Das uvas plantadas nestes pós.

Ali onde estão também os restos
Daquela que eu chamava "Açoriana"*
Co'a distância de meus íntimos protestos.

Mas sobretudo o leito do meu Vati
Simples laje e flores sobre a grama
Com um meu haikai como arremate.


Nota
* Vati - Pronuncia-se Fáti (Papai) diminutivo de Vater (pr. Fáter), pai em alemão). É como a Alma chamava seu pai, Werner Friedrich Welt, que ela adorava. Frequentemente, nos sonetos ela também o chamava de "o Maestro", pois ele era um excelente pianista amador.

* Açoriana- Alma tinteve um relacionamento difícil com sua mãe, Ana Morgado, que não a compreendia e tentava reprimir seus temperamento artístico e seus arroubos. Ana era neta de açorianos, e a Alma se referia a ela assim nos sonetos, como um distanciamente mítico. Isso foi a fonte de um grande sofrimento da poetisa desde a infância, pela vida afora. Na morte elas se perdoaram: há um belo soneto sobre isso.
No Túmulo do Vati* (Alma Welt)

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Esporas (de Alma Welt)

Vinha o gaúcho montado com esporas
E estacou o pingo ante a varanda
E pediu "trabalho só por horas"
Pois que "assim a sorte não desanda".

Então apontei-lhe os esporões
De galo orgulhoso e irreverente
E exigi que arrancasse esses latões
Pois aqui o cavalo é também gente.

Ele, que o bigode só, se abaixa,
Colocou a mão naquela prata
Do cabo que emergia de sua faixa.

Mas diante do meu olhar seguro,
Ao curvar-se enfim ele desata
As estrelas, que jogou pr'atrás do muro...

(sem data)

sábado, 22 de janeiro de 2011

Nossa Saga (de Alma Welt)

Vivi somente pra contar o que vivi
Embora isto pareça absurdo
Ou no mínimo um monólogo pra surdo
Pois o que importará o que senti

Ou as minhas aventuras de guria
Que nada leva a crer a relevância,
Tanto mais que se passam numa estância
E num velho casarão em nostalgia

A remoer nosso passado glorioso
E querendo que o soneto nos reflita
Malgrado vaidade e um tom verboso.

E eis que a Musa generosa reconstrói
Em mim a heroína e o seu herói:
Sou eu mesma a minha amada Anita...

(sem data)

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Os Círculos (de Alma Welt)

Minha vida está inscrita em círculos.
“Não podes então andar pra frente?”
Aqueles que questionam os meus vínculos
Me perguntam em tom meio reticente...

“Deixa essa estância e fim de mundo,
Pois aí o minuano faz a curva
E volta pois não pode ir mais fundo
Depois de te deixar a mente turva,”

“Que estás a ver navios antigos,
E mais: com tua tendência delirante
Já fazes dos fantasmas teus amigos.”

“Já pediste ao teu Galdério, coisa à toa:
Que construa grande traste navegante
E o arraste com bois até a lagoa...”