quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Gauchadas (de Alma Welt)

O tenente vinha vindo, sobranceiro,
Montado no seu pingo, muito sério,
E eu que certamente o vi primeiro
Puxei logo a manga do Galdério,

Que já a mão levou a uma pistola
Antiga, de dois canos, sob a faixa,
Enquanto um pensamento, na cachola
Diz: “Bá! Esta coisa não se encaixa

Nos dias de hoje, neste século!”
E que por certo estávamos de volta
E o tempo era outro, ou só espéculo

De nossa passagem no oitocentos,
Quando os farrapos armaram a revolta
Que o Tempo levou com outros ventos...

12/07/2006

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Pelo vento (de Alma Welt)

Aonde foram os amigos tão fiéis
Que alegravam a casa em burburinho
E risos de abundantes decibéis,
E que fariam falta no caminho?

O ressonar já se sente, da Natura,
E não se ouve mais a tal zoada
Dos guris a fazer caricatura
Dos gáutchos de sela e de invernada.

Mas no silêncio que reina, secular,
Posso de novo minh’alma auscultar
E saudar os que agora espectros são.

Anita, Giuseppe, Netto e Bento,
Voltam saudosos pra rever o casarão,
Como farrapos trazidos pelo vento...

17/07/2006

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O gaúcho triste (de Alma Welt)

Um gaúcho triste aqui da estância
Contou-me que perdeu a genitora
Muito cedo, ainda em sua infância
E que isso era a razão de usar espora

E também a chibata em seu cavalo,
E que então não saberia mais montar
Se eu lhe tirasse esse direito ralo
(continuou algum tempo a rezingar).

Então eu perguntei-lhe o que queria
Para deixar de lado esses tormentos
Ao pobre do animal, filho dos ventos...

E à réplica do olhar sem mais rodeios,
A condição implícita que havia,
Rasguei o meu vestido bem nos seios.

(sem data)

Nota
Encantada, acabo de encontrar na Arca da Alma, este soneto inédito, que é uma amostra perfeita de como a minha doce irmã era, e como podia reagir de maneira imprevista e surpreendente, por impulsos de seu generoso coração, quando se tratava de suas mais nobres convicções. (Lucia Welt)

domingo, 10 de janeiro de 2010

A Nova Invernada (de Alma Welt)

Quando a noite é clara, de luar,
Eu me ergo do leito sem demora
E no jardim de antes e de agora
A lua mira esta Alma caminhar,

Muito branca, eu sei, o que assusta
Algum peão desperto aqui da estância
Que logo seu bivaque e o mate susta
E se põe a tremer como na infância.

E se estou antecipando o que farei
Por anos a porfia, eu os previno,
Que pelo amor a esta terra voltarei.

Se lograr com berreiros ou cantada
Dobrar o Capataz nosso, divino,
A coxilha me dará nova invernada...

12/01/2007

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O Tempo suspenso (de Alma Welt)

Não me fales, amor, de um novo ano,
Não o vejo, vês, estou sonhando?
A coxilha corrobora o meu engano,
O próprio Tempo aqui sonha pairando,

Imóvel, suspenso, entorpecido,
A confundir os tempos e as idades,
Por isso este meu Pampa é dolorido
E pleno de guerras e saudades.

Anita veio esta manhã à revelia
Do sapateiro embriagado contumaz
E amor confidenciou-me, de guria,

Por aquele italiano belo e audaz
Que hasteou farrapos, como o Bento,
E no cais espera só soprar o vento...


09/07/2004