sexta-feira, 25 de julho de 2008

O claro e o escuro da Alma (de Alma Welt)

Amanhã verei meu ser refeito
E envolto em aura, libertado,
Serei o ser que sou, o ser eleito
De mim mesma, aceso, iluminado.

Farol na noite eterna de esperança
Ou sol no dia claro sempiterno,
O timbre escolhi eu desde criança
Ao escolher o amor, o bom e o terno.

Mas, bah! se o Cerro esfria e escurece
E pelas faldas onduladas de coxilhas
Do Jarau o minuano escorre e desce,

Da alma o lado escuro me fascina
Ao perceber o quanto, sim, ele me anima,
Esse contraste que produz as maravilhas!

(sem data)

Nota
Com o seu poder de criar ou de realimentar mitos, Alma parece dizer que o minuano nasce no Cerro do Jarau (vide A Salamanca do Jarau, de João Simões Lopes Neto) e quando este escurece e esfria, escorre pelas encostas e corre pela pradaria, como um desbordamento do lado escuro do mundo. (Lucia Welt)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Reencontrando o general (de Alma Welt)

Amarrei minha montaria no mourão
Adentrando então a estância estranha.
No peito eu sentia o coração
Pulsando como os palpos de uma aranha

Que aguardasse a si mesma como presa
No centro de uma teia que era o mundo.
E assim eu caminhava muito tesa,
A sentir que o momento era profundo.

Então me vi diante da varanda
Do herdeiro de meu Netto general,
Que tirou o chapéu, como se manda

E mostrando os cabelos cor de nata
Disse: "Voltaste, minha princesa, meu Graal,
Que te espero, há muito, desde el Plata."

(sem data)

terça-feira, 22 de julho de 2008

O umbu e o vento ( de Alma Welt)

Verdes anos verde este meu pampa
Eterno velho e novo a cada dia
Quero plantar-me aqui não numa campa
Nem como aquele umbu que renascia

Mais forte e sinistro após cortado
Diziam os que o quiseram esquecido
Pois que como forca fora usado
E logo o acreditaram fenecido.

Mas umbu frondoso e sobranceiro
Reinando na coxilha qual peão
Montado no seu pingo, ou no pampeiro

Que varre estes prados infinitos
Soprando como poderoso orgão
No sacro espaço de singelos ritos.

19/12/2006

Pietà sulina (de Alma Welt)

Vinha o gaúcho troncho em sua sela
Ferido por adaga gravemente
Na mão direita a rédea como vela
A outra mão a segurar o rubro ventre.

E estacando o seu pingo emfim cedeu,
Fez um aceno vago e foi caindo
Nos braços do Galdério que acorreu
A ampará-lo como a um guri dormindo.

E enquanto a alma ia sem adeus
Eu gravei a cena em minha retina
Como uma Pietà leda e sulina

Pois agora já estava entre os seus
Como o outro naquela estampa fina
Fixando a morte insólita de um deus.


(sem data)

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Conluios da Noite (de Alma Welt)

Elevam-se na noite os murmúrios
Das conspirações que aqui houveram
Nos tempos farroupilhas, e os conluios
Que nos ecos desta casa ainda prosperam.

E ouço: Canabarro se rebela
Contra Bento nosso grande comandante
Enquanto o bravo Netto se revela
O mais fiel amigo doravante.

Mas bah! são as prendas que os inspiram
Com seu doce pranto derradeiro
Na paixão ardente em que deliram,

Juntas, pelos quartos, e ao fogão
Cujas cinzas liberam um rico cheiro
Que, alta noite, invade o casarão...

02/10/2006

quinta-feira, 3 de julho de 2008

De tangos e fandangos (de Alma Welt)

Andei pelo bosque esta manhã
Para colher amoras e até
Mesmo umas florzitas, no afã
De enfeitar a mesa do café

Pro desjejum dos hóspedes, uns gringos
Que dormem cansados do fandango
Que fizemos em honra dos amigos
Vindos de outros pagos com seu tango.

Bah! Como foi belo ver os pares
Evoluirem naquela perfeição
De argentinos passos sem azares!

Mas Rôdo a honra nos salvou
Ao fazer cantar o seu tacão
Que na lança estendida nem relou...*

17/07/2006


Nota

* ... que na lança estendida nem relou- Alma se refere à "chula" que o nosso irmão Rodo dança de maneira admirável desde guri.(Lucia Welt)

Chula- Dança folclórica do Rio Grande do Sul, executada por homens e cuja coreografia, com muitas sapateadas, exige grande habilidade do dançarino. É acompanhada de palmas, violão, cavaquinho, pandeiros e castanholas.(1)
A chula tradicional é dançada da seguinte forma: Dois dançarinos ficavam frente a frente tendo entre si uma lança de quatro metros de comprimento. Cada um dos oponentes executava uma seqüência de difíceis passos coreográficos indo até a extremidade oposta da lança e retornando ao seu lugar de origem.(2)
1. Sociedade e Cultural - Enciclopédia Compacta Brasil - Larousse Cultural - Nova Cultural - 1995
2. Texto extraído do site do Grupo de Danças Porteira de Guapos: www.nh.conex.com.br/user/apollo