quinta-feira, 18 de junho de 2009

O cavalo de fogo (de Alma Welt)

Por aqui o cavalo vai sem meta
Todo em chamas a vagar na pradaria
E me lembro do outro, o do poeta
Lima que seu livro incrível lia.

E hesitamos, eu, Rodo e Galdério
Em segui-lo à distância pela noite
Pois seu rastro deixado como açoite
É como aquela luz de cemitério,

De santelmo, como dizem marinheiros
E o gaucho que se esvai em pleno pampa
O avista nos momentos derradeiros

Quando segurando o ventre rubro,
E da coxilha a galgar última rampa
Segue o íncubo cavalo que descubro...

(sem data)

terça-feira, 16 de junho de 2009

Dias tristes (de Alma Welt)

Dias tristes do meu pampa, "dias tristes
Como sentir-se viver” disse o poeta,*
Quando abandonávamos os chistes
E tentávamos deixar a vida quieta

E quase hibernados concentrando
Os nossos sentimentos e amores
Na espera paciente de esplendores
Que nos aguardariam triunfando.

E em silêncio vagava com meu Rodo
Embrulhados nos palas, mateando,
Evitando sendas calvas e seu lodo.

E então se nos pegava o minuano
Eu, aninhada em meu irmão, e tiritando,
Poderia assim viver por todo um ano...


(sem data)


Nota
* ... "dias tristes como sentir-se viver"- citação de um verso de um poema de Fernando Pessoa.

domingo, 14 de junho de 2009

Pássaros migrantes (de Alma Welt)


Pássaros migrantes- óleo s/ tela de Guilherme de Faria, 50x60cm, coleção Ricardo Meirelles de Faria, São Paulo, Brasil

Pássaros migrantes do meu sonho!
Eu os avisto a voar em formação
A caminho do Norte e sua canção
Que conheço só do que disponho

De livros e poemas nas estantes
Desde que era a guria tão curiosa
Projetando vagar mundos distantes
Talvez como escritora já famosa...

Me alce, ó bando, e leve com você
Nesse vôo lindo em esquadrilha
Com formato sugestivo de um “V”

Do qual não almejo a liderança,
E humilde seguirei à maravilha
O sonho de que a Alma não se cansa...

(sem data)

O embuçado (de Alma Welt)

Galdério, ó Galdo, o que é aquilo
Que vimos embuçado pela estrada
Quando íamos a passo bem tranqüilo
E então me vi sobressaltada?

“Alma, patroinha, não é nada,
Aquele não é senão Judas Leproso,
E a sineta de som meio lamentoso
Ele agita pra afastar a peonada,

Que de longe lhe deixa o de comer
Pois dinheiro não lhe querem pôr na mão,
Que outros não iriam receber...

E a pobre alma penada é intocável,
E morrerá sem que jamais nenhum peão
Le mire a face morta e deplorável.”

(sem data)


Notas
Acabo de descobrir este notável soneto na arca e embora percebendo-lhe o nítido teor simbolista, impressionada fui perguntar ao Galdério se esse episódio realmente acontecera, se ele se lembrava disso... Galdério confirmou dizendo: "Patroa, si Alma lo ha escrito, es verdad."
Jamais saberei definir os limites entre realidade e invenção no mundo da Alma...

Le mire- escrito assim mesmo, como falam os peões por aqui.
(Lucia Welt)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

A Canção do guarani (de Alma Welt)

Entre os nossos peões havia aqui
O Solano olhado assim de esguelha
Pelos outros por ser um guarani
E bem mais calado que uma telha.

Também não se encaixava no telhado
E não por trabalhar errado ou menos,
Mas por suposto olhar de mau-olhado
Ou sua importância de somenos.

Então experimentei me aproximar
Para talvez lhe dar outro destaque,
Uma amizade buscando semear,

Semente que Solano em solidão
Levou, fugindo só com o almanaque
Em que eu lhe dedicara uma canção...

(sem data)

terça-feira, 9 de junho de 2009

O haragano e o minuano (de Alma Welt)

O haragano é uma força deste prado,
Irrupção vital e alegre vento
Como fora verão, sem o tormento
Do nosso minuano, o outro lado

Do pampa quando mostra seu semblante,
Gélida, implacável e feia cara...
É então que ess’ outra face nos prepara
Para o longo inverno, duro amante.

E então acolhemos o monarca
E não o usurpador, embora feio,
Com nossos grossos palas e o mateio.

Mas, bah! quando ao açoite a nave geme,
No salão deste sobrado e minha arca
Lanço versos qual se ainda houvesse leme.


09/04/2004

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Memórias farroupilhas (de Alma Welt)

Pelas trilhas em volta do sobrado
Que se eleva sobranceiro na planície,
A fachada como a face de um barbado
Com sua decantada esquisitice,

Recoberta pela hera e não grisalha
Conquanto mais vetusta que a do Vati,
E que sobe a parede até a calha
Com sua textura cor de mate,

Eu perambulo nos dias e nas noites
Procurando senhas e vestígios
Dos antigos farrapos e prodígios

Que me são anunciados por murmúrios,
Gemidos de cilícios, seus açoites,
Os vôos da memória e seus augúrios...

17/11/2006

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Os Tempos e os Ventos (de Alma Welt)


Crepúsculo no Pampa de Alma Welt- óleo s/ tela de Guilherme de Faria


Inolvidáveis tardes do meu prado
Quando em silhueta e uma aura
O adeus deste poente agraciado
O rubro dos cabelos me restaura

E junto ao grande umbu frondoso
No alto da colina em pleno pampa
Me vejo tal qual aquela estampa
Do vento que levou o nosso gozo

E então retorno e subo ao casarão
Que anoitecido desperta suas memórias
Como guris a escorregar no corrimão

De seus jovens sonhos revividos
De outros poentes e outras glórias
De tempos e ventos esquecidos.

(sem data)