sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

No Reino de Vista Grossa (de Alma Welt)


No meu reino elementar de Vista Grossa,
Decadente mas belo em seu ocaso,
Fiz do plaino da coxilha meu Parnaso
E dos versos meu canteiro e minha roça.

Tudo corrobora esta Poesia,
E nada a prenda que nem fui,
Que meu mito pessoal não contribui,
Que beijar um sapo eu não podia...

Todavia os peões e os gaudérios
Souberam respeitar esta princesa
Com seus encantos e mistérios...

E agora que o mate se acabou
E o vinhedo não me dá senão despesa,
Aqui resto: minha alma me encantou...
 

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Desabafo (de Alma Welt)


Sejamos francos: a vida foi mal feita,
Passível de doença e sofrimento.

E a morte, então, que nos espreita
A vida inteira e a todo momento?

"Que tontería, báh!" Diz o gaúcho
Que prefere a faca na bainha,
Mas se troca a de prata por um bucho
Por certo para alguém é o fim da linha.

Mas deixando de lado a gauchice
E retornando à condição humana
(esqueçam o que eu há pouco disse),

O mal da vida, em si, é essencial,
E não o mal estar que dela emana.
Consiste em ser efêmera, afinal...

domingo, 6 de outubro de 2013

O Retorno (de Alma Welt)



O Pampa de Alma Welt- óleo s/ tela de Guilherme de Faria
 
 
O Retorno (de Alma Welt)

Havemos de voltar, eu e os outros
A este Pampa meu predestinado,
Onde corri, guria, com os potros
E o meu ser então ficou colado.


Não temo que este belo corpo troque,
Mas sim outro lugar longe daqui.
Não suportaria um Oiapoque
Esta Alma que foi feita pro Chuí...

“Quanta besteira!” diz Matilde rindo até.
“Não sabes que irás pro Purgatório
Já que em nossa Igreja não tens fé?”

E eu retruco: “Nem que seja o Paraíso
Meu porto de chegada obrigatório,
Peço a Deus meu Pampa em Seu juízo...”

domingo, 15 de setembro de 2013

Meus floridos campos (de Alma Welt)



Báh! meus floridos campos, não me esqueçam!
Lembrai quão fiel vos fui desde guria,
Correndo em vossas trilhas que não cessam
De florir mesmo sem a minha poesia...

Sempre quis acreditar que vos pertenço
Como a relva baixa e o umbu sombreiro,
Como essa ondulação como de um lenço,
E o minuano, crina solta do pampeiro...

Quanto cantei em versos minha coxilha!
E mais eu não pudera assim cantá-la
Se, não só adotada, eu fosse filha...


Olhai, quando eu me for quero restar
Como o pólen no ar e não na vala,
E que então meu pó na luz ame dançar!


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Ricordanze (de Alma Welt)


Quando guria, com meus pais e meu irmão,
Com as irmãs também, que as não esqueço,
Eu já tinha, pois, completo o coração,
Mas saber da missa mesmo só um terço.

Conhecia o chamado “mal do mundo”
Pelos livros, certamente, e de sobejo,
Mas pensava que tudo era profundo

 Ou um singelo cartão de realejo...

A vida era bela e aconchegante,
Embora vez por outra perturbada
Pelo sangue derramado num instante,

Que era quando um peão se apresentava
Com as tripas na mão ensangüentada:
“Meu patrão, ouvi dizer que costurava...”

domingo, 30 de junho de 2013

Pedindo a mão da prenda (de Alma Welt)


Já também por aqui baixou o Cujo
Com aquelas feições de um peão macho
E eu então que não sou um caramujo
Me espevitei diante daquele barbicacho.
Era eu guria, ingênua e bela
Pensava só que o mundo era pra mim,
Que eu reinaria do alto da minha sela
Sobre o vento nestes campos do sem fim.

Então o forasteiro achando graça
Pediu-me a mão de prenda pro maestro
Estancieiro, meu pai, de feição macha.
Mas recordo do velho o tom certeiro:
“Senhor, esta prenda tem um estro
Só a cedo pro Maior Estancieiro...”

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Crônica gaudéria (de Alma Welt)


Vinha o gaúcho no cavalo pela senda
Que atravessa nossa estância decadente,
O olho esquerdo escondido sob a venda,
O chapéu de aba dobrada só na frente...


E chegando ao pé da minha varanda
Sob o queixo o nó desfez do barbicacho
Para saudar-me como a cortesia manda,
Com uma contida vênia, muito macho.

“Buenas, patroinha, e me perdoa
Por tirar-te os belos olhos desse livro,
Mas devo fazê-lo ainda que doa...”


“Acabo de calar um tipo à toa
Que achei que não podia ficar vivo
Por contar que eras a lua na lagoa...”

sábado, 16 de março de 2013

Para além do fim do mundo (de Alma Welt)



                                                     Foto: Arroio do Chuí

Para além do fim do mundo (de Alma Welt)

Chegaremos ao fim do Fim do Mundo
Se atingirmos do Chuí o arroio.
Para além, de onde o vento é oriundo,
Não te posso garantir maior apoio...

Este nosso é o Pampa verdadeiro
Que nos ousaram disputar os castelhanos
Mas levaram pranchada e tiroteio,
Isso foi naturalmente há muitos anos.

Há quem diga que nada lá vai dar
E que o Minuano faz a curva
E volta com mais sanha de gelar

E como nos extremos acredito,
Não bebo do riacho de água turva:
Guarda ainda o veneno do conflito...
 

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Os Ausentes (de Alma Welt)


Retornem, bah! retornem, meus fantasmas!
Minhas noites estão vazias e carentes...
A quem atribuir as minhas asmas
Sem vocês, apaixonados, não ausentes,

Que me faziam vagar nos corredores
Ouvindo atrás da portas com emoção
Na penumbra do palácio de rumores
Em que se transformava o casarão?

Todos afinal me abandonaram!
A casa está vazia faz um ano
E as doze no relógio ressoaram

Sem que Anita venha como outrora
Contar suas noites com o italiano,
Indiscreta pois com ele ainda mora...

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Alma Cicerone (de Alma Welt



Entrem, meus amigos, não se assustem
Ou estranhem a penumbra destas salas;
Bento e Canabarro ainda discutem,
De noite ainda ouço suas falas...

Me acompanhem por estes corredores
E não temam os sussurros e murmúrios;
São as tristes confidências de temores
Reais e femininos, nada espúrios...

Neste quarto, Anita e o marinheiro
Se encontravam e dormiam pela graça,
Conquanto fosse ele companheiro...

Se neste casarão reinava o amor,
Tal império não há quem o desfaça
Embora ainda e sempre cause dor...